A lamentável fala do presidente da República, Jair Bolsonaro, em relação ao pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, expõe um lado obscuro da política feita por uma negação da história e ataques pessoais. A declaração do presidente Bolsonaro aprofunda e distancia o maior cargo da república de outras instituições que criticam e apontam caminhos divergentes ao governo da União.
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, que desapareceu na ditadura. Posteriormente, o Estado brasileiro, através da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, emitiu uma retificação de atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, na qual reconhece que sua morte ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”
O presidente Bolsonaro, em infeliz e desumano ataque ao presidente da OAB, inclusive contrariando elementos fornecidos pelo próprio Estado brasileiro, ou seja, pelo próprio Governo, emitiu a seguinte declaração:
“Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele.”
A declaração do presidente da República aprofunda e expõem um dos maiores traumas da política nacional, a ditadura iniciada em 1964, que durou 21 (vinte e um) anos. Um período histórico e sombrio de acirramento das tensões políticas ideológicas, onde o debate político saiu do campo das ideias e ganhava conotações de guerra urbana e guerrilha nas matas e nos campos. Houve excessos, abusos, mortes e crimes praticados pelos dois campos antagônicos. Para pacificar o país e solucionar as tensões, a classe política no período pré-redemocratização encontrou um caminho: a criação de um instrumento legal, normativo chamado de Lei da Anistia em 1979. O presidente na ocasião, João Figueiredo, sancionava a lei que anistiava todos os agentes públicos (militares), em todas as esferas de poder e agentes e militantes políticos que cometeram crimes políticos, eleitorais.
A solução, apesar de não ser a melhor, pois criava em muitos o sentimento de injustiça, conseguiu com o certo sucesso pacificar o país, mas não fechou as feridas abertas pelo trauma de 64 e, desse modo, o passado sempre volta a nos assombrar. O Brasil não viveu a experiência exitosa da África do Sul, que estabeleceu, após período histórico de violência política, a chamada Comissão de Verdade e Reconciliação, o modelo adotado foi a da justiça restaurativa.
Sob o comando do Prêmio Nobel da Paz, o arcebispo Desmond Tutu promoveu um legado luminoso e um exemplo para o mundo de como resolver os traumas políticos do passado, contemplando a anistia a um senso de justiça mínimo. A experiência brasileira não foi exitosa no sentido de estabelecer uma reconciliação, e hoje, 40 (quarenta) anos após a edição da lei da anistia, o que temos é um acirramento do presente com fatos do passado.
O presidente da República precisa de forma urgente abandonar o discurso que conflagra o país, divide a nação, e de urgentemente compreender a sua dimensão institucional. Temos um presidente que se diz assumidamente cristão, e desse modo deve ele pregar o que o fundador dessa doutrina ensinou:
“BEM-AVENTURADOS OS PACIFICADORES, PORQUE ELES SERÃO CHAMADOS FILHOS DE DEUS”