Primeiro a votar, na sessão dessa quarta-feira (23), o relator, ministro Marco Aurélio, reafirmou seu entendimento contra a medida, posição que disse ser “conhecida desde sempre”. Em seu voto, que durou cerca de 40 minutos, o ministro afirmou que “é impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão”, motivo pelo qual não se pode prender alguém que ainda tenha a possibilidade de ser inocentado.
O ministro Roberto Barroso, o último a votar ontem, disse que a prisão em segunda instância sempre foi aceita pelo STF, exceto entre 2009 e 2016. Para o ministro, a decisão provocou um “poderoso incentivo” à protelação das condenações e reforçou a seletividade do sistema recursal, possibilitando que réus ricos consigam evitar a prisão por terem condições de pagar advogados para entrar com recursos.
“Vejam o impacto positivo trazido pela mudança da jurisprudência, que impulsionou a solução de boa parte dos crimes de colarinho branco, porque o temor real da punição levou a uma grande quantidade de colaborações premiadas por réus e de acordos de leniência de empresas, apenas no âmbito da Operação Lava Jato”, disse.
O ministro Alexandre de Moraes, o primeiro a votar, após a leitura do voto do relator, disse que uma decisão condenatória de segunda instância fundamentada, que tenha observado o devido processo legal, afasta o princípio constitucional da presunção de inocência e autoriza a execução da pena. “Ignorar a possibilidade de execução de decisão condenatória de segundo grau, fundamentada e dada com respeito ao devido processo legal e ao princípio da presunção de inocência, é enfraquecer as instâncias ordinárias”, disse.
Em seu voto, o ministro Edson Fachin sustentou que o princípio de presunção da inocência, previsto na Constituição, em nada é prejudicado se o cumprimento de pena começar após a condenação em segundo instância e que a jurisprudência internacional confirma ser o duplo grau de jurisdição suficiente para a garantia de um julgamento justo e de uma Justiça eficaz. “É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última corte constitucional for examinado”, disse.
Entenda
O entendimento atual do Supremo permite a prisão após condenação em segunda instância, mesmo que ainda seja possível recorrer a instâncias superiores.
Três ADCs – abertas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e antigo PEN, atual Patriota – buscam mudar tal entendimento, para que o cumprimento de pena somente seja permitido após o trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no próprio Supremo.
A questão divide a Corte, onde foi discutida ao menos quatro vezes desde 2016. Naquele ano, o plenário decidiu em caráter liminar (provisório), por 6 votos a 5, nas próprias ADCs hoje julgadas no mérito, que a prisão em segunda instância poderia ocorrer. De 2009 a 2016, entretanto, prevaleceu o entendimento contrário, no sentido de que a sentença só poderia ser executada após o Supremo julgar os últimos recursos.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma nova mudança de entendimento em favor do trânsito em julgado pode ter impacto na situação de cerca de 4,9 mil presos que tiveram mandado de prisão expedido pela segunda instância.
Entre os possíveis beneficiados, estão condenados na Operação Lava Jato, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril do ano passado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, após ter sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), no caso do tríplex do Guarujá (SP).