Por Hortênsia Nunes B. de Oliveira
Diversos ramos do Direito tratam das tão cobiçadas garagens. No direito imobiliário tem-se o tratamento da propriedade, suas formas de reivindicação, disputas patrimoniais; no direito de família existe a discussão desse espaço como bem de família; já no urbanístico são estabelecidos parâmetros de medidas, quantidades necessárias dentre outros pontos para uma adequada organização da cidade.
Naturalmente, diante a amplitude da matéria, as discussões chegaram ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, órgão que em 28/05/2023 lançou especial que tratou da escassez das vagas de garagens na vida urbana. Dentre temáticas apresentadas existe a discussão acerca do ajuizamento de ação reivindicatória para pleitear vaga, sendo este o tema escolhido para tratarmos nessa coluna. Vejamos o ocorrido.
Chegou ao STJ discussão onde se pleiteava, via ação reivindicatória, o direito ao uso exclusivo de uma vaga de estacionamento, sendo este um direito acessório da unidade autônoma ou área de uso comum.
Nos julgamentos de primeira e segunda instância, os julgadores determinaram a demarcação de vagas a mais a proprietários que compraram o apartamento com direito a vagas constantes na escritura pública. Destaque que essas decisões levaram em consideração a não existência de espaço suficiente de vagas para todos os moradores e com isso prejudicaram os demais moradores, mesmo existindo estudos técnicos e comprovações que o projeto previa 145 vagas e posteriormente demonstrou que só comporta 96.
A ação reivindicatória é o mecanismo adequado ao PROPRIETÁRIO do bem. A demonstração do domínio atual sobre a coisa reivindicada; a individualização da coisa pretendida, ou seja, demonstrar os limites e confrontações do imóvel, identificando-o minuciosamente; e por último a demonstração que o réu está exercendo a posse sobre a coisa de forma injusta; são requisitos para o ajuizamento desta modalidade.
Considerando a modalidade procedimental adotada, quando o processo chegou ao STJ, independentemente dos estudos técnicos realizados, foi decidido que o tipo processual utilizado não era o adequado por ausência do requisito essencial para seu ajuizamento: a individualização do bem. Sendo assim, só poderia ter sido utilizada a ação reivindicatória caso a garagem possuísse matrícula própria, individualizada; o que não ocorreu na demanda.
“A verdade é que parece não ser possível o ajuizamento da reivindicatória quando a coisa reclamada se enquadra como direito acessório da unidade autônoma ou como área de uso comum, uma vez que, nessa hipótese, a compropriedade resultante da existência de diversos proprietários sobre frações ideais caracteriza-se exatamente pela ausência de descrição da extensão, limites e confrontações do bem litigioso”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo no STJ.
Sendo assim, o interessante desta demanda é que se passaram anos, e diversas decisões. A temática que iniciou com apresentação de estudos técnicos comprovando a inexistência de vagas para todos os condôminos findou por questão puramente processual, quando inclusive o relator destacou que os autores da ação teriam outros meios de buscar seus direitos – por exemplo, uma ação indenizatória contra a construtora.
O tema tornou-se pacífico e a ação reivindicatória não é válida para pleitear vaga sem registro independente. A temática é interessante pelos detalhes que levaram a decisão, são fatores que precisam ser levados em conta desde o pensamento de instituição de condomínio edilício e nos fazem refletir quando da regularização de imóveis.
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira (hnunesboliveira@gmail.com) é advogada, pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito público.