Por Hortênsia Nunes B. de Oliveira
No início da semana nos deparamos com várias manchetes que noticiavam: “Juiz concede medida protetiva a cão que assinou ação contra agressor” ou “Cão que assinou petição contra agressor consegue medida protetiva”. O que fez chamar atenção, já que a informação conforme noticiada gera um impacto gigantesco tanto nos sentidos sociais e renovações no direito, quanto na seara processual e suas consequentes interpretações.
A decisão foi dada no estado do Ceará, onde o juiz concedeu uma medida protetiva contra um agressor do animal que havia o atingido com um disparo de arma de fogo. Isso, em decorrência de um pedido protocolizado por um advogado que conjuntamente requereu ainda indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00.
Acontece que pra iniciar tal demanda, uma associação de defesa dos animais contratou um advogado para que pudesse ser realizada a defesa do animal, o qual necessitava de proteção ante os fatos ocorridos.
Ocorre que, mesmo com a ampla divulgação com o sentido dúbio da decisão, o juiz, não admitiu o cachorrinho como autor da demanda, alegando a falta de capacidade processual, esta que é conferida a toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos. Lamentando sua decisão o Douto magistrado enfatizou: “No entanto, no atual estágio de nossa Constituição e do direito infraconstitucional, infelizmente, deixo registrado, os animais ainda não são tratados como sujeitos de direitos. Mesmo, como dito acima, que em outras partes do mundo já se tenha avançado, por falta de positivação, não vejo como cabível e razoável, por via judicial, alterar-se o entendimento já consagrado no STJ sobre o tema, que é o não reconhecimento dos animais como parte legítima no processo.”
Assim fora conferido 15 dias para que o tutor do cachorro se apresentasse como autor, suprindo assim o requisito processual. Entretanto, mesmo sem a devida capacidade processual devidamente comprovada no momento, o juiz concedeu a medida protetiva ao animalzinho, tanto para a proteção física, quanto para a psíquica. Desta forma, o réu da ação não poderá se aproximar a menos de 200 metros do cachorro, sob pena de multa.
Já existem normativas mais avançadas em direito ambiental do que a nossa, por exemplo, a Alemanha inclui os animais não humanos como protegidos pelo Estado, respeitando sua dignidade, na Bolívia e no Equador eles são considerados expressamente como sujeitos de direito. O que não ocorre em nosso país, o qual reconhece a proteção à integridade física e à vida dos animais.
Tudo isso fomenta uma ampla discussão acerca da possibilidade de animais não humanos serem autores de ações, que vai muito além da medida protetiva, já que passa pela discussão da exploração animal, direitos, representações etc. O direito muda, evolui e se atualiza. O que acontecerá ainda não sabemos, mas tal temática deve ser refletida por todos nós de forma a conseguirmos balancear os pontos e contrapontos postos em discussão para que possamos conhecer os impactos reais de tamanha discussão.
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira é advogada, Pós-Graduada em Direito Processual Civil e Direito Tributário e Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico- OAB/Caruaru.