Por Hortênsia Nunes B. de Oliveira*
Em 12/06/2020 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.010/2020, a lei que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Esta lei, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição Federal, foi sancionada com vetos parciais.
O presidente da República decidiu vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 1.179, de 2020, 16 (dezesseis) dispositivos.
O veto acontece quando o presidente da República discorda total o parcialmente de determinado projeto de lei aprovado pelas Casas Legislativas, devendo ele sempre ser motivado. Após a publicação do veto e subsequente encaminhamento ao Congresso Nacional, este tem o prazo de 30 (trinta) dias corridos para a deliberação, que no presente caso finda-se agora, dia 12/07/2020.
Não havendo a deliberação do veto no prazo estipulado pelo Congresso Nacional, ou seja, decorrido o prazo de 30 dias sem deliberação, a matéria do veto será incluída na ordem do dia e passa a sobrestar as demais deliberações até a votação final do veto.
Em 20 de março de 2020, foi publicado Decreto Legislativo nº 6, que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública e quase 03 (três) meses após foi publicada uma lei que visa regulamentar as relações ocorridas em um período transitório e emergencial.
O projeto desta lei foi iniciado no Senado Federal, em 30/03/2020, foi remetido à Câmara dos Deputados em 13/04/2020, que como casa revisora a Câmara apresentou um substitutivo que foi remetido ao Senado apenas em 15/05/2020.
A casa iniciadora analisou o substitutivo, fez destaques e, enfim, encaminhou o PL 1.179/2020 ao presidente da República, submetendo à sanção presidencial os autógrafos do Projeto. Este deixou para vetar parcialmente a norma no último dia do prazo legal, tornando o processo mais lento e com menos eficácia ante a emergência.
Dentre os vetados, há o art. 9º do PL 1.179/2020, que abraçava a possiblidade de não serem concedidas liminares para a desocupação de imóveis urbanos nas ações de despejos em hipóteses específicas, até o dia 30/10/2020. As razões do veto foram:
“A propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de alugueis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio.”
Esse veto, caso venha a ser mantido pelo Congresso Nacional, frustra a tentativa de uma alteração à Lei de inquilinato.
As alterações propostas não impossibilitavam a ordem de despejo e sim, a concessão de liminar em hipóteses pontuais e por tempo determinado (e mínimo, diga-se de passagem). Não, não eram todas as hipóteses legais e nem em todos os casos que seriam impedidas as concessões de liminares. Assim, no caso de processos em andamento poderiam sim ser proferidas sentenças com ordens de despejo, mesmo em tempo de pandemia.
As razões do veto mencionam a interferência na propriedade privada e o estímulo a inadimplência, posto que estar-se-ia suspendendo um dos instrumentos de coerção e estaria protegendo o devedor. Acontece que o momento pandêmico exige solidariedade por parte do estado, pessoas físicas e jurídicas necessitarão do apoio/incentivo do Estado para se reestabelecerem, promovendo a economia. Além disso, o legislador visualizava não apenas as hipóteses de falta de pagamento, mas também questões sanitárias em um momento que demanda isolamento social.
Outro ponto a se destacar é que no momento que o legislador impedia a concessão da liminar ele automaticamente estava incentivando a renegociação, a conversa, no âmbito das locações. Diferente do veto, o legislador possuía a visão da boa-fé, regra do nosso ordenamento jurídico.
Assim, posso concluir que esse lapso temporal, bem como todo o processo legislativo, esvaziou parte do conteúdo normativo proposto, gerando como consequência contradições normativas, e em especial os vetos presidenciais. A interferência na esfera privada, de fato existe, mas é mínima ante a dimensão da pandemia e ao problema evidente que é o indivíduo ser despejado durante esse período.
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira é Advogada, Pós-Graduada em Direito Processual Civil e Direito Tributário e Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico- OAB/Caruaru