“Não sei”, “não aconteceu”, “não vi”, “não existiu”. Sob esse mantra algumas pessoas vivem “o que os olhos não veem o coração não sente”. O nosso presidente não gosta de números, lógico, quando esses são desfavoráveis ao seu governo, ou às suas ideologias. Existe um conflito numérico quando o governo elabora dados, números e estatísticas que se mostram desconfortáveis ou desfavoráveis ao próprio governo, e quando isso ocorre, primeiro contestam-se os números, algo do tipo: “2+2 não são bem 4”, depois, em alguns casos, demite-se o responsável pela divulgação dos dados, e, por fim, muda-se a metodológica de divulgação, ou simplesmente não se divulgam os dados.
Em julho de 2019, o presidente contestava os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre o desmatamento no Brasil, demonstrando que a divulgação de “dados ALARMANTES” “prejudica” o país. Diante dessas evidências científicas, a reação do presidente foi demitir o Diretor do Inpe Ricardo Galvão, um dos profissionais mais sérios e respeitados no mundo em sua área. O Diretor do Laboratório de Ciências Biosféricas no Centro de Voos Espaciais da Nasa, a agência especial americana, e professor-adjunto da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, classificou a demissão de Ricardo Galvão do comando do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) como “significativamente alarmante”, pois, nas palavras do professor, “reflete como o atual governo brasileiro encara a ciência”. Após a demissão do Diretor do Inpe, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou que o governo vai adotar um novo modelo de monitoramento do desmatamento no país.
Outros números foram contestados pelo presidente Bolsonaro, tais como os do IBGE (abril de 2019) sobre o desemprego. Para o presidente os números estão subestimados. Também em julho de 2019, Bolsonaro afirmou ser uma “grande mentira” que pessoas passam fome no Brasil. “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora passar fome, não. Você não vê gente pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países por aí pelo mundo”.
Ainda em 2019, Bolsonaro e o seu governo “acreditavam” que existia uma epidemia de drogas no Brasil e, desse modo, foi realizado o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, estudo que havia sido encomendado pelo Ministério da Justiça, em 2014, à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Tal estudo contradiz a narrativa do governo, e o levantamento demonstra que não há uma epidemia de drogas no Brasil. Qual foi a postura do governo? Proibir a divulgação do estudo e contestar os dados.
No relatório anual acerca de violações de direitos humanos o governo federal, pela primeira vez na história, não publicará os indicadores da violência policial praticada no Brasil. Nunca é demais lembrar que a polícia brasileira é a que mais morre e mata no mundo (10° Anuário Brasileiro de Segurança Pública).
O “conhecereis a verdade” não é o forte do governo Bolsonaro. Em março de 2020, no auge da pandemia da COVID-19, o governo federal editou a Medida Provisória 928 para restringir o uso da Lei de Acesso a Informações. O STF apreciou a lei e, nos trechos que dificultavam o acesso, a lei foi revogada. Em levantamento feito pela Agência de Jornalismo Investigativo sobre dados solicitados entre 2015 e janeiro de 2020, concluiu-se que o governo Bolsonaro é o que mais nega pedidos de informações aos cidadãos.
A culminância na falta de transparência e metodologia de que é melhor esconder e não divulgar, pois é ruim para o governo, chegou ao seu auge nos dados sobre o coronavírus. No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 40 mil óbitos e 800 mil casos confirmados de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez uma grave acusação durante uma transmissão ao vivo em sua rede social. Bolsonaro disse que o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, adulterou números da COVID-19. Desse modo, em uma metodologia nefasta, sem embasamento científico, tendo como elemento central a sua visão de mundo, o Presidente desqualifica os dados e quem os divulgou, criando assim uma crise de credibilidade no Ministério da Saúde.
As crenças do presidente da República se sobrepõem aos dados colhidos com metodologia científica, por órgãos oficias da estrutura governamental que, há anos os coletam, processam e informam. Vivemos sempre com esse estigma de que, se os dados apresentados não forem “bons”, serão lançados na lata de lixo.
Infelizmente, não é só o presidente quem tem problemas com dados. Os prefeitos e governadores procedem de modo ambíguo em relação à COVID-19: divulgam números de óbitos, contágios e casos suspeitos, deixando faltar ao grande público informações acerca dos gastos em relação ao coronavírus.
Não estamos pedindo muito aos governos, só queremos sobreviver, mas para isso precisamos de informações íntegras. Precisamos acertar as contas com os nossos gestores.