O então ministro da Saúde, Nelson Teich, dava uma entrevista coletiva e foi surpreendido com uma pergunta de um jornalista:
– O presidente colocou agora que vai colocar academia, salão de belezas e manicure como atividades essenciais. Queria saber se o Ministério da Saúde concorda com isso? Se houve uma orientação do Ministério da Saúde para isso?
Nelson Teich expressou um ar de incredulidade e, atônito, o entrevistado responde, perguntando:
– Dá para você repetir a pergunta?
Na expressão assombrada e incrédula do ex-ministro Nelson Teich, se extraí que as decisões do presidente da República, quando o tema é coronavírus, não passam por um conjunto articulado de governança. Escutar não é a maior qualidade de nosso presidente. Bolsonaro decide temas de saúde pública e economia, prevalecendo sempre a economia, sem respeito aos métodos científicos; o que abre e fecha, em tempos de pandemia, é decidido sem ouvir a maior autoridade brasileira em saúde pública, que, em tese, seria o Ministro da Saúde.
No dia da fatídica entrevista, o presidente apresentou decreto incluindo três novas categorias como atividades essenciais: academias de ginástica, salões de beleza e barbearia. O Brasil, naquele dia, tinha 11.519 mortes e 168.331 casos confirmados de COVID-19. Sobre o decreto, o então ministro da Saúde sequer foi avisado pelo Palácio do Planalto, o que demonstra, desse modo, que as decisões do presidente e de quem o auxilia não têm critérios de saúde pública, ação que por si só é auto explicativa.
Em um exercício metal imaginativo, em que possamos parar e pensar em um cenário onde os rumos da saúde pública fossem definidos pelo Governo Federal, por meio de seu chefe, uma pergunta se faz: Onde estaríamos?
O Supremo Tribunal Federal, em decisões de ALEXANDRE DE MORAES e MARCO AURÉLIO, como relatores, entendeu que o tema da saúde é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, a teor do artigo 23, inciso II, da Constituição Federal. Nesse sentido, temos que compete não só à União definir os rumos da saúde da população, mas aos Estados, Municípios e DF, pois possuem prerrogativa concorrente de legislar sobre saúde público, cabendo aos governos respectivos, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras medidas
Levando em cota as palavras e ações recentes de Bolsonaro, existe uma escala de valores onde o presidente busca incansavelmente a proteção das empresas em detrimento das pessoas. O Supremo escolheu não os governadores ou prefeitos, mas vida e, desse modo, tentou salvar o Brasil.
Bolsonaro não buscou entendimento, meio termo (saúde, economia). Sempre instado a falar sobre a crise do COVID-19, colocou, com ênfase, a economia em primeiro lugar de suas preocupações.
Outro capítulo dessa crise é a paranoia presidencial, que o cegou e os do seu entorno, encontrando eco em algumas vozes amplificadas da internet, onde o que existe, na visão psicótica, é um grande complô conspiratório: todos os poderes da república, incluindo governadores e prefeitos, se uniram para derrotar o presidente. Psicótico, paranoico e estratégico, criou-se em torno do Mito, fábulas, contos, estórias e narrativas, um sistema de auto alimentação, onde presidente e internet nutrem um ao outro.
O que temos hoje, por parte do Governo de Jair Bolsonaro, é um desastre na saúde pública. Um governo e um presidente sem um plano nacional para proteger os mais vulneráveis, principalmente os idosos, sem dar o exemplo de distanciamento social, e com um discurso que não valoriza a vida nem os profissionais de saúde.
História, ciência, verdade e o Iluminismo estão sitiados, pela visão de que o presidente e seu entorno estão corretos.
Obrigado, Supremo Tribunal Federal, por ter tentado salvar o Brasil.