Em decisão recente sobre o chamado caso Queiroz, que envolve o filho do presidente da República e senador pelo Estado do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes determinou a suspensão do processo em que foi indiciado e contém dados extraídos do Coaf sem a devida decisão judicial acerca da quebra do sigilo de dados dos investigado.
A decisão de Gilmar Mendes é coerente e acertada, uma vez que se baseia em decisão anterior do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que em 15 de julho de 2019 DETERMINOU a suspensão de todos os inquéritos e processos judiciais em andamento em todo o território nacional, que utilizaram dados do Coaf, Bacen e Fisco, que versam sobre movimentação bancária, sem autorização judicial.
O combate à corrupção deve ser aplaudido e estimulado pela sociedade, mas deve passar invariavelmente pelo respeito mínimo às regras, procedimentos, códigos e posturas necessárias para a sua legitimidade. Os inquéritos policiais e procedimentos de investigação próprios do Ministério Públicos devem guardar higidez ao figurino legal, sem burlar as regras de direitos e garantias fundamentais.
Na Roma Antiga, foi governador Sula ou Sila, um militar e estadista eleito cônsul por duas vezes, em 88 e 80 a.C. O regime de Sula se apoiou em uma governança brutal, em uma política denominada de proscrições, onde se elegia ao bel prazer do governante de ocasião os chamados inimigos do Estado, e determinava-se toda sorte de penas, banimentos, castigos, expurgos, sem julgamento ou direito de defesa, permitindo-se, inclusive, a execução sumária dos inimigos.
Os tempos são outros, mas a modernidade civilizatória não fez cessar o ópio embriagante do poder, dos excessos da sede de justiça sem respeito às fórmulas legais.
A Carta Política de 1988 (Constituição Federal) consagrou os dados bancários ou, em outros termos, o sigilo bancário, no rol de tutela de garantias constitucionais, umbilicalmente anotada e classificada como intimidade e vida privada. Ou seja, os dados bancários, fiscais, são direitos e garantias fundamentais insculpidos no artigo 5º, incisos X e XII, da
Constituição Federal. Desse modo, conclui-se que a inviolabilidade do sigilo de dados em toda a sua extensão (bancários, correspondência, celular, whatsapp, redes sociais), somente pode ser usado em inquéritos e processos por ordem judicial escrita e fundamentada.
O Ministério Público do Rio de Janeiro, sem autorização judicial, desprezou essa regra tão básica – intimidade e sigilo dos dados – e requereu dados fiscais diretamente aos órgão detentores da informação (Coaf, Bacen e Fisco), para instauração de procedimento investigatório criminal, atitude que afronta o artigo 5º, X, XII e LV da Constituição.
Assim, podemos concluir o seguinte: 1ª – A decisão de Gilmar Mendes é acertada, coerente, sendo uma replicação da decisão de Dias Toffoli, tema que ainda será julgado pelo plenário do STF; 2ª – O investigado Flávio Bolsonaro ainda não explicou publicamente e satisfatoriamente a sua relação com o outro elo da corrente o chamado “Queiroz”.
Flávio Bolsonaro deveria imitar Gilmar Mendes e fazer a coisa certa.