Antes unanimidade nacional, a Lava Jato hoje perde muito mais tempo se defendendo e se explicando do que cumprindo sua missão inicial. O pêndulo da opinião pública travou a Lava Jato.
Operação que iniciou suas ações de forma despretensiosa em 2009 e hoje dá sinais de fadiga. O que antes era uma investigação comum, envolvendo lavagem de dinheiro, se transformou em uma hidra (Hidra de Lerna, monstro da mitologia grega, corpo de dragão de nove cabeças, serpente que toda vez que se cortava uma cabeça cresciam duas no local). Os tentáculos para combater a “hidra da corrupção” cresceram e se espalharam pelo Brasil, nas cidades de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, com muito êxito e apoio institucional e da opinião pública.
A Lava Jato desnudou o submundo da corrupção, levantou o véu do pântano lamacento de uma cadeia intrincada envolvendo agentes políticos, agentes administrativos, empreiteiras e partidos políticos. Toda essa cadeia servia a propósitos escusos, revestidos de projetos políticos eleitorais.
Prisões foram feitas, revelações e valores apresentados, a operação mostrava ser um sucesso de público, crítica e eficiência, tudo andava bem. Mas voltando a mitologia, eis que outro personagem surgiu: Narciso. Narciso era um rapaz plenamente dotado de beleza, deitou-se no banco do rio e definhou, olhando-se na água e se embelezando.
O arquétipo de Narciso contaminou a Lava Jato. Em determinados momentos a imagem de justiçamento se mostrou maior do que outros valores anteriormente escolhidos como cardeais. Valores republicanos e constitucionais foram, em alguns momentos, esquecidos. Personagens rasgaram as missões institucionais, deixaram as togas e as becas, trocaram a indumentária, vestiram as capas de um heroísmo sem freio, dialogando com posições ideológicas, que se afinam constantemente com o autoritarismo, ilegalidade e espetacularização midiática de um populismo penal.
A impressa ajudou, a indignação natural nascida de uma revolta social pela internet, legítima, fez nascer movimentos em massa que saíram às ruas exigindo mudanças, e elas vieram, para o bem ou para o mal.
O legado da Lava Jato pode ser desvirtuado se a operação não sair com urgência da beira do rio e deixar de se olhar, para olhar mais para a sociedade. Narciso definhou e morreu por ter escolhido egoisticamente a si próprio como centro do universo.