Por Hortênsia Nunes B. de Oliveira
Em agosto de 2020 foi publicada a Lei 14.040 que estabeleceu normas educacionais a serem adotadas durante o estado de calamidade. A lei dispõe acerca de temáticas quanto a dispensas que poderiam ser aplicadas pelos estabelecimentos de ensino de educação básica; fala da reorganização do calendário escolar do ano letivo afetado; ainda dispõe sobre a possibilidade de dispensa, da obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo trabalho acadêmico, por exemplo.
Esta última possibilidade merece ser destacada ante a relevância da discussão acerca da necessidade da formação antecipada dos estudantes de medicina para que estes possam ajudar na demanda existente em decorrência da pandemia da Covid-19. A lei estabelece que as instituições de educação superior ficariam dispensadas, excepcionalmente, da obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo trabalho acadêmico, desde que o ano letivo tivesse sido afetado pelo estado de calamidade pública.
A dispensa deveria ser aplicada em caráter excepcional, observando as diretrizes nacionais editadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), bem como as normas editadas pelos respectivos sistemas de ensino, desde que fosse mantida a carga horária prevista na grade curricular para cada curso e não houvesse prejuízo aos conteúdos essenciais para o exercício da profissão. Apenas dessa forma seria dispensada a obrigatoriedade da observância do mínimo de dias de efetivo trabalho acadêmico.
A norma já era uma exceção, a qual afirmava que para sua aplicabilidade deveria ser mantida a carga horária prevista. Entretanto, de forma mais excepcional ainda, ou seja, a exceção da exceção dispunha que poderia haver a antecipação da conclusão dos cursos superiores de medicina, farmácia, enfermagem, fisioterapia e odontologia, bem como dos cursos de educação profissional técnica de nível médio, que diretamente relacionados ao combate à pandemia da Covid-19. A antecipação desses cursos poderia ser realizada desde que o aluno cumprisse, no mínimo, 75% da carga horária do internato do curso de medicina; ou 75% da carga horária dos estágios curriculares obrigatórios dos demais cursos supracitados, desde que diretamente relacionados ao combate à pandemia da Covid-19. Esta lei traz normas educacionais que deveriam ser adotadas em determinado período, o qual seria equivalente ao estado de calamidade pública. Este período foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e possuía vigência até o dia 31/12/2020. Desta forma, a vigência da Lei 14.040/2020 é imperfeita, o que gera questionamentos quanto a sua aplicabilidade, ou seja, ela pode ser aplicada na atualidade? A conclusão do curso pode ser antecipada?
Acontece que a Lei n° 13.979/2020, assim como a por nós analisada, possuía a vigência vinculada ao Decreto Legislativo. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu que ela (Lei n° 13.979/2020) deveria continuar sendo aplicada parcialmente, independentemente da vigência legal estabelecida, pois ainda encontrarmo-nos em um período pandêmico. Assim, deve haver a análise tanto da norma literal, quanto da real intenção dos legisladores no momento da elaboração, proposição e aprovação.
Sabemos que a decisão do STF ao estender parcialmente a vigência da Lei 13.979/2020 não se aplica imediatamente a outras normas. Mas, sinaliza possíveis decisões que venham a ser proferidas. Tamanha importância desta discussão que existe na Câmara dos Deputados o Projeto Lei de nº 486 de 2021, o qual visa estabelecer que a norma não se vincula à vigência do Decreto Legislativo e vigorará enquanto perdurar a crise sanitária que motivou o referido estado de calamidade, o que sanaria qual quer discussão.
A pandemia é real e a taxa de ocupação dos leitos é uma preocupação constante, consequentemente a demanda da mão de obra cresce e torna-se escassa em várias regiões do país. A antecipação da formação, assim como já visto no ano passado, é uma forma de amenizar problemas existentes com a alta demanda dos hospitais. Assim, havendo uma interpretação conforme à constituição, estendendo o entendimento anteriormente mencionado, a Lei 14.040/2020 também poderá ter sua vigência prolongada, possibilitando a formação antecipada.
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira é advogada, Pós-Graduada em Direito Processual Civil e Direito Tributário e Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico – OAB/Caruaru