Por Hortênsia Nunes B. de Oliveira*
No final de julho vimos circular na mídia inúmeras manchetes e notícias acerca do veto presidencial ao Projeto de Lei nº 6.330, de 2019, a qual visava alterar a lei dos planos de saúde para ampliar o acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral pelos usuários. Essa lei facilitaria o acesso à medicamentos orais que visam combater células cancerosas, reduzindo assim a necessidade de internações hospitalares tendo em vista que o tratamento pode ser realizado em casa, o que, segundo o Senado, atingiria mais de 50 mil pacientes.
O projeto de lei se fundamenta no fato que, entre as coberturas obrigatórias dos planos privados de assistência à saúde está o tratamento antineoplásicos de uso oral, sejam eles ambulatórias ou domiciliares. Entretanto, nos casos de internações hospitalares, para a utilização dos medicamentos, basta o registro da medicação na ANVISA para que esteja incorporada na cobertura do plano de saúde; já no caso s medicamentos antineoplásicos orais para uso domiciliar precisa que a medicação esteja registrada na Anvisa e integre rol da ANS.
Desta forma, mesmo que a lei atual obrigue a cobertura, se o tratamento não se encontrar no rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela ANS o paciente não terá direito a ter sua cobertura, e assim precisará demandar judicialmente pelo tratamento antineoplásico domiciliares de uso oral. Sendo assim, e enxergando essa problemática, o que o Projeto de Lei 6.330/2019 estabelecia era um grande facilitador, já que para a cobertura do tratamento e o consequente acesso ao referido tratamento bastaria o registro na ANVISA, sendo assim dispensada a necessidade de uma posterior autorização.
O Presidente da República vetou integralmente o projeto afirmando que “a medida, ao incluir esses novos medicamentos de forma automática, (…), contraria o interesse público por deixar de levar em consideração aspectos como a previsibilidade, a transparência e a segurança jurídica aos atores do mercado e a toda a sociedade civil, de forma que comprometeria a sustentabilidade do mercado (…) o que privilegiaria os pacientes acometidos por doenças oncológicas que requeiram a utilização de antineoplásicos orais.”
O projeto de lei ainda estabelecia que o fornecimento do tratamento deveria ser em até 48 horas após a prescrição médica. Neste ponto, o veto presidencial alegou que “a obrigatoriedade de cobertura do antineoplásico em até quarenta e oito horas após a prescrição médica também contraria o interesse público, pois criaria substancial iniquidade de acesso a novas tecnologias para beneficiários da saúde suplementar ao se prever que determinada tecnologia prescindiria da análise técnica da ANS para compor o rol de coberturas obrigatórias.”
Esse Projeto já havia sido aprovado de forma unanime no Senado e por 388 votos a 10 na Câmara de Deputados. E conforme pode ser visto, o poder executivo federal decidiu vetar uma norma alegando, entre outras coisas, o privilégio que pacientes oncológicos teriam, bem como considerando o alto custo dos antineoplásicos orais. Esses pontos fundamentaram uma decisão que repercutiu amplamente.
Ocorre que, o veto dado pelo Presidente precisará ser analisado em até 30 dias do seu recebimento (27/07/2021), em sessão conjunta (Deputados Federais + Senadores), quando será necessária a maioria absoluta dos votos para sua rejeição (257 votos na Câmara dos Deputados e 41 no Senado). Não sendo apreciado dentro do prazo estabelecido, será incluído automaticamente na pauta do Congresso Nacional. O que isso significa? Que ainda há tempo de agir e analisar a situação de forma aprofundada para conseguirmos identificar se de fato há um interesse público alegado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, ou se de fato faz-se necessária uma simplificação em um procedimento de tamanha importância para vida de tantos?
Acredito que o rol elaborado pela ANS é um obstáculo de certa forma, a sua atualização é lenta e prejudica pacientes oncológicos em todo o país. Ao alegar um privilégio a estes pacientes me surgiu um questionamento: não seria justo este e nessa situação? Quanto ao tempo poderia ser um fator que viesse a dificultar a operacionalização do revisto, entretanto seria um ponto a ser observado, não necessitando o veto de toda a norma.
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira (hnunesboliveira@gmail.com) é advogada, Pós-Graduada em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito público.