Um dos eternos problemas da política brasileira tem sido, sem dúvidas, a crise de representatividade nos legislativos (Senado, Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais). Infelizmente, repetidamente testemunhamos uma política desigual quase sempre pendendo para aqueles que detém capital econômico alto e/ou capital político genético. Em outras palavras, é possível dizer que existe uma correlação entre a vitória no pleito e esses capitais. Sendo assim, as chances de um outside – desprovido de capital econômico ou DNA político – são quase improváveis. Não obstante, correlação não indica causalidade determinística e vez ou outra temos testemunhado também êxitos improváveis.
Sempre fui fascinado pelos êxitos improváveis e é extraordinário quando isso acontece também na política. De fato, apesar da disputa injusta, que faz jus ao título ‘Davi x Golias’, a história nos mostra vários casos de sucesso eleitoral de pessoas populares. É mais impressionante quando testemunhamos aqueles casos onde candidatados populares de classes sociais desfavorecidas e muitas vezes vistas como ninguéns (como já disse Eduardo Galeano, “os filhos de ninguém, os donos de nada”) pela classe política dominante, vão lá e fazem história vencendo os interstícios estatísticos das probabilidades políticas.
Por falar em ninguéns, tomei conhecimento recentemente de um acontecido interessante na política tradicionalista da terra do Vitalino, na capital do Forró.
Eis que emergiu na cena política de Caruaru uma tal de bancada cidadã com uma ideia de mandato coletivo, negócio pra lá de estranho para os moldes da política desse município. Pois é, aqui tem vereador que já está em seu décimo mandato, uma estabilidade que infortunadamente não consigo ver como saudável, tampouco compatível para um município que é um importante polo universitário e comercial e pode ser considerado um berço de empreendedorismo criativo.
Um dos idealizadores dessa impressionante iniciativa contou-me certa vez que começou a organizar o movimento com lideranças populares, do povão, construindo uma lista com cerca de 20 nomes. Ao procurar as lideranças políticas para apresentar a intenção de participar das eleições desse ano com essa proposta de mandato coletivo, aproveitava para mostrar a lista escrita a mão.
Com certa tristeza na fala, ele relatou-me que ao falar da ideia e mostrar a lista, a reação da liderança política foi justamente: mas não tem ninguém nessa lista. Isso o marcou profundamente. Mas, em vez de desanimar e desistir, o amigo fez como muitos de nós quando a vida nos apresenta um desaforo.
Como Pernambucano raiz, o sangue brotou nos olhos e o fato acabou atiçando o sujeito e aqueles 20 ninguéns para a batalha. Isso mesmo, a política às vezes é uma batalha, quase sempre injusta e desigual. Esse movimento ampliou-se e os 20 se multiplicaram. Dia desses já estavam na casa dos *100 ninguéns* – co-vereadores que serão os responsáveis pelo mandato. Ual, impressionante, não é?
Não tenho dúvida que nesse momento a bancada cidadã continua avançando e ampliando esse movimento inovador, revolucionário e inédito na política local. Contagiei-me com o movimento e, entusiasmado que sou por presepadas dessa natureza que bagunçam o status quo da política e renovam a esperança, também resolvi participar dos 100 ninguéns. Que essa bela iniciativa possa ser conhecida na política caruaruense como um prenúncio de novos tempos com mais equidade, inclusão e participação do povo.
Com diz o antigo ditado, a união faz a força. Quanta força pode ter a união dos 100 ninguéns?
Há também um interessante provérbio africano que diz: a união do rebanho obriga o leão a deitar-se com fome. Gosto de pensar que o leão aqui se trata do candidato que busca o poder político para interesse próprio, ou seja, aquele que assim como compra acaba vendendo seu mandato, sem exercer, de fato, o honroso papel de representar a população. Que a bancada cidadã possa ser esse rebanho unido que obrigará ao menos um leão dormir nesse pleito com fome, isto é, sem mandato.
Dr. Dilson Cavalcanti é professor da UFPE